É frequente dizer-se que o divórcio realça o pior das pessoas. Isto
é, sem dúvida, verdade, mas, em muitos casos, juízes bem-intencionados
tornam, inadvertidamente, uma má situação pior ainda.
Há dois casos recentes que ilustram este problema. No primeiro caso,
uma mãe, dona de casa, numa pequena cidade teve um caso extra marital, o
que levou ao pedido de divórcio por parte do seu marido. Os vizinhos
marginalizaram-na de tal forma que ela decidiu mudar-se para uma cidade a
cerca de 240 km de onde vivia e levou os filhos com ela. O pai, que
teve sempre um papel ativo na vida dos filhos, naturalmente, não quis
que tal acontecesse, visto que, assim veria poucas vezes as crianças.
Enquanto o juiz estava em conflito com os factos, perante o tribunal,
foi permitido que a mãe se mudasse e levasse os filhos com ela. Os
filhos não só iriam ver o pai com pouca frequência como foram arrancados
da única casa que eles conheciam assim como das suas escolas, amigos e
resto da família. A decisão do juiz baseou-se fortemente no facto de a
mãe ser uma dona de casa e aos olhos do juiz ela foi historicamente a
figura primária de referência.
No segundo caso, um pai militar em serviço no estrangeiro voltou para
casa e descobriu que a sua mulher tinha um caso extra conjugal. Ele
pediu o divórcio e, apesar de ter sido um pai ativo, o tribunal concedeu
guarda exclusiva dos seus filhos à ex-mulher. Atualmente, ele apenas vê
as crianças fim-de-semana sim, fim-de-semana não. O juiz neste caso
baseou a sua decisão na ideia de a mãe ter sido historicamente a figura
primária de referência.
Muitas pessoas são afetadas por estes casos pois parece que os
culpados são recompensados e os inocentes prejudicados. Os resultados
iniciais parecem certamente injustos. No entanto, esta não é a pior
parte destas decisões. Não bastava os resultados iniciais serem
injustos, mas o pior é que estas decisões põem as crianças em risco, com
consequências muito negativas a longo prazo.
As crianças afetadas pelo divórcio são, de longe, piores, na maioria
dos casos, em níveis de saúde e de bem-estar emocional incluindo um
maior risco de problemas académicos, uso de álcool e drogas, más
competências sociais, depressão e suicídio, delinquência e
encarceramento, e piores condições de saúde e mortalidade precoce. A
razão de tudo isto tem muito a ver com o facto de uma das duas pessoas
mais importantes na vida de uma criança ser, frequentemente, relegada
para o papel de um visitante pouco frequente, como os exemplos de cima
ilustram. Este problema pode ter repercussões profundas para todos nós.
Adam Lanza, o atirador da escola primária Sandy Hook, passou por uma má
fase quando o divórcio o separou do seu pai. Um dos mais importantes
investigadores designa este problema como "um sério problema de saúde
pública".
Estes casos baseiam-se no mito que um dos pais é a figura primária de
referência. Os juízes, muitas vezes, resolvem casos desta forma apesar
de não haver nenhuma base legal ou de saúde mental para tal. Mais de
três dúzias de estudos ao longo dos últimos 20 anos mostraram que quando
ambos os pais são carinhosos e competentes, que é o caso, na maioria
das vezes, um acordo de partilha da guarda - com uma decisão tomada em
conjunto e com a partilha do mesmo tempo com cada um dos pais -
proporciona melhores resultados para os seus filhos.
Este mito aparenta ter surgido de um pressuposto legal designado por a
"regra da aproximação", que foi proposta há mais de vinte anos e acabou
por ser rejeitada. No entanto, muitos advogados, psicólogos e juízes
ainda o seguem devido à sua neutralidade superficial e simplicidade.
Como muitas soluções simplistas, no entanto, é simplesmente errado.
Para além de levar a maus resultados para as crianças, a regra da
aproximação também encoraja, exatamente, a mesma coisa que se tenta
originalmente prevenir - o conflito parental. Este mito pernicioso é tão
destrutivo que já foi abandonado por muitos Estados.
No Arizona, por exemplo, a Lei da Guarda de Menores do Estado autorizou previamente os juízes a considerarem "
quer um dos pais, ambos os pais ou nenhum dos pais tenha proporcionado cuidados primários à criança"
quando tomam decisões sobre a guarda. O poder legislativo do Arizona
revogou esta linguagem e agora orienta os tribunais para maximizar a
partilha de tempo com ambos os pais sempre que possível.
No Nebrasca, infelizmente, a guarda única é ainda a regra. A guarda
física é concedida às mães em 62% dos casos e aos pais em 10%. A guarda
partilhada é concedida em apenas 25% dos casos dos divórcios em
Nebrasca.
Não há nenhuma base legal ou médica para o mito da figura primária de
referência. Estudos científicos indicam que os acordos de partilha de
tempo em que um dos pais apenas passa fim-de-semana sim, fim-de-semana
não, com os filhos são prejudicais às crianças, mas ainda assim, são
ordenados regularmente em muitos casos. A Assembleia Legislativa deveria
parar esta crise de saúde pública e tornar a guarda partilhada a regra,
no Nebrasca, assim como se tornou noutros estados.
Texto original escrito pelo Dt. Les Veskrna e publicado no dia 12 de Janeiro de 2013 no
journalstar.com
Traduzido por Sara Cristina Pereira.
Revisão por Ricardo Simões.
Coordenação: Associação Portuguesa para a Igualdade Parental e Direito dos Filhos
in
http://igualdadeparental.org/profissionais/o-mito-da-figura-primaria-de-referencia/
[1] Dr. Les Veskrna é um médico de família e diretor-executivo do Conselho dos Direitos das Crianças do Nebrasca
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